A
minha vida quando muito poderia dar um mini-conto bem chato, por isso, irei
buscar inspiração para a minha vida dava um filme, à vida da minha avó materna,
Manuela da Conceição Andrade Coelho.
Nasceu
em Lisboa, a 17 de Junho de 1899, signo gémeos do Zodíaco, serpente no
Horóscopo Chinês. A sua mãe Luísa Barnabé era filha de um juiz, ficou à
espera da filha sem ser casada e foi expulsa de casa pelo pai Juiz. A mãe dela
e os irmãos visitavam-na às escondidas.
Sustentou-se
a si e à filha como costureira. Desde manhã cedo até ao final do dia usava
espartilho. Vestia também sob a saia, uma outra azul escondida por ser
monárquica.
O
pai da minha avó, Joaquim Guilherme Andrade Coelho perfilhou a filha, assim
como tinha perfilhado uma filha mais velha, Laura Flávia e perfilhou depois o
filho Vítor que teve com uma outra senhora. Não era adepto do casamento e só no
final da vida é que casou com a mãe do último filho.
A
minha avó teve uma educação esmerada, fez a 4ª classe, aprendeu francês e
a tocar piano e morou com a sua mãe até aos dezassete anos, depois teve de
ir morar para casa do pai, onde também residia a mãe deste.
Quando
foi morar com o pai ele estranhou os "mimos" com que a mãe a tinha
criado, frustrado com o facto dela não comer atirou-lhe com um prato.
A
minha bisavó, sua mãe, morreu aos quarenta anos, penso que do coração, quando a
minha avó tinha dezoito anos e ela fechou-se no quarto a chorar e sem comer
durante dias.
Na
casa do pai, a minha avó ia com a criada às compras e a minha trisavó, sua avó,
queixava-se que não era bem servida no Talho, tendo‑lhe retorquido a minha avó
que isso sucedia porque o homem do Talho gostava dela. Foi uma tragédia,
"caiu o Carmo e a Trindade" a minha trisavó gritou e queixou-se ao
filho, que ela era viúva desde jovem e nunca mais tinha olhado sequer para
homem nenhum.
A
minha avó era muito bonita, tinha o cabelo muito escuro, olhos cinzentos e uma
pele muito branca (a sua mãe Luísa Barnabé tinha o cabelo louro escuro e olhos
azuis).
O
meu bisavó dava pouco dinheiro à minha avó. Ela queria comprar chapéus e ele
dizia-lhe que usasse mantilha, aí ela arranjou emprego como modelo, passava
roupas para senhoras e já teve dinheiro para os chapéus.
Teve
um primeiro noivo que era um rapaz rico e de boas famílias e morreu com uma
pneumonia.
Ficou
depois noiva de um rapaz que era marinheiro e tinha uns bigodes compridos.
Estava
a fazer compras para o enxoval quando conheceu o meu avô, Eugénio Beltran Pepe.
O
meu avô nasceu em Serpa, era o mais velho de vários irmãos. Perdeu o pai cedo e
assumiu-se como chefe de família. Ainda adolescente veio trabalhar para Lisboa.
Era
uma pessoa muito especial, tinha muitos amigos a quem era capaz de dar a camisa
que vestia. Nas fotografias vejo-o como um ar simpático, bonito e para o louro.
Devia ser um sedutor para ter conseguido arrebatar a minha avó e fazer com que
deixasse o noivo número dois.
Casaram
e tiveram um primeiro filho que morreu ao nascer. Depois tiveram uma menina de
olhos azuis a quem chamaram Luísa.
Uma
das irmãs mais novas do meu avô, Valentina, contraiu tuberculose - era
jovem, bonita e gostava de cantar imitando cantores de ópera - e morreu com
vinte e poucos anos. Antes de morrer infelizmente contagiou a sobrinha que teve
meningite tuberculose. A minha avó tinha uns óculos especiais de protecção para
estar com a filha quando se tentou salvá-la com radiações. Não foi suficiente e
a Luisinha morreu com pouco mais de dois anos de idade.
Depois
tiveram a minha mãe, Eugénia que cresceu saudável, andou no colégio alemão e
tinha tranças louras. O seu cabelo foi escurecendo e chocou as tias ao cortá-lo
curto. Um dia conheceu o meu pai, transmontano a trabalhar então em Lisboa.
Casaram e foram viver para o Norte. Tiveram três filhas que nasceram todas em
Lisboa.
O
meu avô morreu quando eu tinha seis meses. Pelo que me contaram, os meus avós eram
diferentes mas completavam-se, gostaram sempre um do outro e eram muito
amigos.
Eu conhecia-a como minha avó, a
vestir-se de escuro, com um carrapito, linda, Contava-nos histórias, fazia-nos
cafuné para que dormíssemos a sesta, dava-nos chi-corações - não havia nenhum abraço como o dela.
Íamos esperá-la à estação ou íamos ter com ela a
Lisboa. A sua casa ficava na Avenida Duque de Ávila - um andar arrendado, penso
que o 2º esquerdo do nº86 (o prédio já não existe - naquele prédio os vizinhos
eram amigos) com um corredor comprido cheio de coisas misteriosas para
descobrirmos, como o cavalinho de pau guardado na despensa, a casa de banho com
chão de losangos pretos e brancos e tina com pés, o quarto com a janela para
uma rua estreita e escura, a sala com uma pele de leão e o piano.
A certa altura passou a ficar connosco mas sempre
com saudades de Lisboa, dos seus amigos e da sua casa. E estava connosco quando
morreu do coração.