A mulher do próximo
Acredita que nunca irá esquecer a
primeira vez que a viu.
Tinha saído à noite com um amigo, o
Carlos que se tinha separado e andava meio abatido. Depois do jantar decidiram
passar por um pequeno bar perto. Era quase meia-noite quando chegaram. Lá
dentro, estava quase tão escuro como na rua. Pequenos candeeiros iluminavam
parcamente as mesas com luzes avermelhadas. No interior encontravam-se
sobretudo casais, e com aquela luz, imaginou-os, envolvidos em ligações
ilícitas. Talvez fosse por influência dos desabafos do Carlos. A mulher tinha-o
deixado por outro. Ele já andava meio desconfiado que ela o enganava, mas
quando a confrontou, ela assumiu tudo e saiu de casa. Ouvir o Carlos, fê-lo ver
assim nos casais em redor, homens e mulheres comprometidos envolvidos em
traições. Atrás de si no entanto estava uma mesa diferente. Cinco mulheres,
mais raparigas, numa despedida de solteira. Foi fácil percebê-lo. A noiva
alourada tinha um pequeno véu branco. Ouvi-las em brindes e risos foi o que o
fez virar-se e olhar para trás, mas não foi a noiva que chamou a sua atenção, e
sim uma das amigas, de cabelo escuro, olhos brilhantes e um sorriso como
sonhava encontrar, sincero e feliz, que nos dava vontade de lhe corresponder e
sorrir-lhe também. Ela viu-o, sorriu-lhe, e ele correspondeu. Para espanto do
amigo, levantou-se e foi até à mesa delas. Sou o Daniel e o meu amigo ali -
apontou para o Carlos - faz strip de graça. Já todos tinham bebido além da
conta o que ajudou na conversa. Ela disse-lhe que se chamava Bia. Juntaram-se
os dois ao grupo. O Carlos inicialmente chocado pelo modo como fora
apresentado, pareceu pela primeira vez ter deixado de pensar na "ex",
pelo menos deixou de falar nela, muito entretido com a noiva e as amigas. A
certa altura elas tinham mesmo de ir embora. A Bia disse-lhe que tinha
regressado há pouco ao país, estava a tratar de arranjar um apartamento e novo
número de telemóvel Por isso foi ele que lhe deu o seu número, certo de que ela
iria ligar-lhe para que saíssem os dois. No entanto, ela não o fez. Nem no dia
seguinte, nem uma semana depois. Não a esqueceu, embora pensasse que ela o
tinha esquecido.
No mês seguinte ia ter a
oportunidade de finalmente conhecer a mulher do melhor amigo. Há dois anos que
o Filipe fora trabalhar para Londres, e lá conheceu uma portuguesa e estudar no
Erasmus, a Beatriz. Ouvira falar tanto nela que quase lhe parecia que já a
conhecia. A Beatriz era bonita, elegante, simpática, inteligente, e conquistara
o Filipe. Os dois tinham casado por lá, mas agora estavam de regresso.
Combinaram um jantar na casa deles na sexta-feira.
Chegou atrasado quinze minutos, por
causa do trânsito. Foi o Filipe que veio abrir a porta. Lá dentro já estariam
todos, cerca de dez ou doze amigos, velhos conhecidos, para um jantar buffet e
para conhecerem a Beatriz. O Filipe chamou-a, ela veio da cozinha com um prato
de entradas. Ele viu-a primeiro e felizmente o Filipe estava a olhar para a
mulher e não se apercebeu da sua surpresa e choque. O cabelo castanho, os olhos
brilhantes, não estava a sorrir, mas era a Bia. O Filipe apresentou-os.
Sentiu-se esmagado com a capacidade dela para fingir que não se conheciam.
Parecia vagamente aborrecida, sem o sorriso sincero que o atraíra. O Filipe
explicou que ela estava meio adoentada. Foi dos piores jantares em que esteve,
Por um lado, continuava a achá-la atraente, a procurar nela, em vão, algum
sinal de reconhecimento e o sorriso. Por outro lado, ao saber que era a mulher
do Filipe, tinha-se tornado para sempre proibida, não podia sequer ter alguma
esperança de a conquistar. Ia ter de evitá-la, evitar também o Filipe,
invejá-lo por ser o marido dela, lamentá-lo por ignorar que a mulher semanas
antes andara a flertar com um homem que agora fingia nem conhecer ou que teria
já esquecido. Será que ela já nem se lembrava dele? Por isso é que não lhe
ligara. Se calhar tinha-se divertido com o que se passara e nunca esperara
voltar a encontrá-lo.
Nesse sábado decidiu voltar ao Bar
onde se tinham conhecido. Foi lá sozinho, sem saber bem porquê ou o que
esperava encontrar. Lá dentro, as mesmas meias luzes avermelhadas, os mesmos
parezinhos. Pediu uma bebida ao balcão e foi então que a ouviu.
"Daniel". Virou-se e era a Bia, a sorrir-lhe com o sorriso que o
conquistara. Levantou-se. Ela aproximou-se. "Perdi o teu número, voltei
aqui na esperança de te encontrar." Ela estava tão perto que sentia o
perfume fresco do seu cabelo. Não conseguiu não corresponder ao seu sorriso,
até que se lembrou que era a mulher do Filipe. Deixou de sorrir. Afastou-se.
Ela apercebeu-se da diferença nele e deixou de sorrir também. Por um instante,
ele pensou em ir embora, ter alguma tirada radical que agora a olhar para trás
lhe pareceria sobretudo ridícula, como "tu és casada, deverias ter
vergonha" e "entre nós nunca vai haver nada". Mas não foi capaz.
Decidiu naquele momento que mesmo sendo amigo do Filipe, não podia sair e
deixar a Bia. Mais do que a mulher do próximo, era a mulher do seu amigo,
mas ele queria que fosse a sua.
Conseguiu perguntar-lhe: "E o
Filipe, Beatriz?"
Primeiro ela pareceu não o entender,
mas depois voltou a sorrir. "O Filipe é o meu cunhado e a Beatriz é a
minha irmã gémea.
E desde então, nunca mais se largaram.
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