domingo, 24 de julho de 2016

9/10 - Amor

Correu bem mal a sua ideia de passarem o fim-de-semana fora, no meio de um monte, numa dita casa recuperada.
Nem queria sequer imaginar como seria antes. Por fora parecia velha. Por dentro, mais velha parecia.
Foi com dificuldade que abriram a porta. Parecia que a chave rodava, rodava na fechadura e nada, até que João com um pequeno empurrão, lá conseguiu que cedesse. 
Rangendo contrariada, abriu para uma pequena cozinha. Não tinha fogão, mas uma lareira. O fumo de anos manchara as paredes e a abertura no tecto por onde escapava.
No quarto empoeirado, os lençóis amarelos não pareciam limpos e na casa de banho, saiu a custo das torneiras um fio de água castanho.
Era tão tarde que ninguém da agência lhes atendeu o telefone. Decidiram reclamar no dia seguinte e pernoitar ali. Nem se despiram e cobriram-se com os seus casacos.
Como de costume, João adormeceu logo a ressonar.
O som tranquilizou-a até que começou a ouvir outros ruídos.
O do vento lá fora, a soprar por estre as frinchas das janelas e portas. Seria também o vento que fazia a madeira estalar como se leves passos percorressem o corredor que levava ao quarto. Ouviu moscas, acreditou ouvir baratas. Não queria acordar o marido, mas pareceu-lhe ouvir uma voz rouca e zangada: “ide‑vos” dizia, entre os rrrrrr do João que dormia.
Abanou-o devagarinho, depois com mais força, até conseguir que meio despertasse: “João, não estamos sozinhos”, sussurrou-lhe, esperando que ele fosse investigar.
Todavia, como por magia, parou o “ide-vos” que procurou descreveu-lhe.
Ele terá tentado escutar, verdade seja dita, mas como nada se ouvia, virou-se para o lado e caiu de novo nas brasas, com os rrrr bem audíveis, mas primeiro disse-lhe algo que a arrepiou, fazendo-a antes optar por dormir.

Ele disse-lhe: “Vai lá tu amor.”

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