“…quero ajudar-te a pensar - mesmo tu
- que não precisas de ajuda - que consegues resolver tudo - enchendo esse teu
"cabide" de casacos pesados - de medos - angústias - frustrações - e
- fracassos dos outros - um cabide carregado dum "gosto dos outros" -
como estás magrinho, podes partir-te ao meio - e depois - simplesmente - não
seguras mais nada, nem ninguém - e eu - terei que procurar as tuas peças todas
- no meio desse teu chão.”
Estava simplesmente ali. Entrava às
8.00 horas, saía no final do dia. Era ele que lhe abria a porta, já pronto a
sair para o trabalho. Ela arranjava-lhe o pequeno almoço e insistia com ele
para que o tomasse. Tentava cativá-lo com ovos mexidos ou panquecas, mas mal
conseguia que bebesse o café, antes que saísse apressado. Depois ia acordar o
Diogo, não fosse o menino já ter despertado e vir procurar a sua companhia. A
sua mãe tinha vindo viver com ela e agora deixava os seus filhos com ela. Assim
não tinha de os tirar da cama tão cedo, mas sentia o coração apertado de
saudades enquanto tomava conta do Diogo. Mas acontecia-lhe o mesmo quando saía
e ia ao reencontro dos seus filhos. Aí sentia falta do Diogo, um pouco seu
filho também, sobretudo desde que a mãe o deixara, os deixara, ao filho e ao
marido, o Luís.
Quando viera para aquela casa estava
feliz com o emprego que tinha conseguido e por lhe permitirem trazer os filhos.
A sua função seria ocupar-se do menino porque a mãe estava doente. Não sabia
muito sobre a doença dela. Não era nada físico. Tinha tido um esgotamento, disseram-lhe.
No início, parecia-lhe que estava sempre a dormir. Foi o Luís que lhe contou
sobre o filho. Como eram os seus horários, o que gostava de comer. Pouco a
pouco, a senhora começou a levantar-se. Vinha para a cozinha ou para a sala,
onde ela estivesse. Via-a a cuidar do filho, mas não procurava fazê-lo ela.
Dizia que gostava de a ver. Perguntava-lhe sobre a sua vida, sobre os seus
filhos. Maria contou-lhe que o marido a tinha deixado por uma espanhola que
conhecera no trabalho. Conduzia pesados de mercadorias e tinha arranjado
emprego numa empresa distribuidora. Deu-lhe o divórcio sem discussões. Se ele
não a queria, ela também não queria que ficasse, mesmo com dois filhos e um
terceiro na barriga. Tinha era de pensar nos filhos, já que o pai não o fazia.
Isso é que lhe partia o coração, ver que o marido além de a deixar, também
deixava os filhos. Naquela casa tinha encontrado um marido e um pai, muito
diferente, que se preocupava com a mulher e com o filho. Quando o Luís vinha
mais cedo, ia brincar com o filho, perguntava-lhe como tinha sido o seu dia. A
proximidade que ela não encontrara entre a senhora e o Diogo, via-a no Luís com
o filho.
Quando a senhora se foi embora, apenas
deixou uma carta. Viu como o Luís se sentia magoado com o que se passava, mesmo
que ele nada dissesse e como procurava reagir e fazer-se forte para o filho.
Quando estavam os três juntos, entre as brincadeiras com o filho, escutava o
que ele não dizia. Viu como a esperança que ele ainda tinha no regresso da
esposa se apagara e fora substituída pela decepção, e como ainda assim conseguia
ir trabalhar, brincar com o filho e até arranjar tempo para agradecer a
dedicação dela.
Na
sua cabeça sentia-se perto dele, tratava-o por tu, queria ajudá-lo.
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