domingo, 24 de julho de 2016

6/8 - Luis

“…quero ajudar-te a pensar - mesmo tu - que não precisas de ajuda - que consegues resolver tudo - enchendo esse teu "cabide" de casacos pesados - de medos - angústias - frustrações - e - fracassos dos outros - um cabide carregado dum "gosto dos outros" - como estás magrinho, podes partir-te ao meio - e depois - simplesmente - não seguras mais nada, nem ninguém - e eu - terei que procurar as tuas peças todas - no meio desse teu chão.”
Estava simplesmente ali. Entrava às 8.00 horas, saía no final do dia. Era ele que lhe abria a porta, já pronto a sair para o trabalho. Ela arranjava-lhe o pequeno almoço e insistia com ele para que o tomasse. Tentava cativá-lo com ovos mexidos ou panquecas, mas mal conseguia que bebesse o café, antes que saísse apressado. Depois ia acordar o Diogo, não fosse o menino já ter despertado e vir procurar a sua companhia. A sua mãe tinha vindo viver com ela e agora deixava os seus filhos com ela. Assim não tinha de os tirar da cama tão cedo, mas sentia o coração apertado de saudades enquanto tomava conta do Diogo. Mas acontecia-lhe o mesmo quando saía e ia ao reencontro dos seus filhos. Aí sentia falta do Diogo, um pouco seu filho também, sobretudo desde que a mãe o deixara, os deixara, ao filho e ao marido, o Luís.
Quando viera para aquela casa estava feliz com o emprego que tinha conseguido e por lhe permitirem trazer os filhos. A sua função seria ocupar-se do menino porque a mãe estava doente. Não sabia muito sobre a doença dela. Não era nada físico. Tinha tido um esgotamento, disseram-lhe. No início, parecia-lhe que estava sempre a dormir. Foi o Luís que lhe contou sobre o filho. Como eram os seus horários, o que gostava de comer. Pouco a pouco, a senhora começou a levantar-se. Vinha para a cozinha ou para a sala, onde ela estivesse. Via-a a cuidar do filho, mas não procurava fazê-lo ela. Dizia que gostava de a ver. Perguntava-lhe sobre a sua vida, sobre os seus filhos. Maria contou-lhe que o marido a tinha deixado por uma espanhola que conhecera no trabalho. Conduzia pesados de mercadorias e tinha arranjado emprego numa empresa distribuidora. Deu-lhe o divórcio sem discussões. Se ele não a queria, ela também não queria que ficasse, mesmo com dois filhos e um terceiro na barriga. Tinha era de pensar nos filhos, já que o pai não o fazia. Isso é que lhe partia o coração, ver que o marido além de a deixar, também deixava os filhos. Naquela casa tinha encontrado um marido e um pai, muito diferente, que se preocupava com a mulher e com o filho. Quando o Luís vinha mais cedo, ia brincar com o filho, perguntava-lhe como tinha sido o seu dia. A proximidade que ela não encontrara entre a senhora e o Diogo, via-a no Luís com o filho.
Quando a senhora se foi embora, apenas deixou uma carta. Viu como o Luís se sentia magoado com o que se passava, mesmo que ele nada dissesse e como procurava reagir e fazer-se forte para o filho. Quando estavam os três juntos, entre as brincadeiras com o filho, escutava o que ele não dizia. Viu como a esperança que ele ainda tinha no regresso da esposa se apagara e fora substituída pela decepção, e como ainda assim conseguia ir trabalhar, brincar com o filho e até arranjar tempo para agradecer a dedicação dela.

Na sua cabeça sentia-se perto dele, tratava-o por tu, queria ajudá-lo. 

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