Foi a altura certa, mas poderia não ter sido.
Doíam-lhe as costas.
Doíam-lhe demasiado as costas para pensar.
Tinha apenas de continuar com o que estava a
fazer e servir o jantar. A cara fechada sem deixar transparecer qualquer
emoção. Não que ele fosse olhar para ela. Desde que as coisas aparecessem
feitas seria como se não estivesse ali. Não olharia para ela nem a veria.
Colocou a comida na mesa, serviu-o e sentou-se
no seu lugar, de frente para ele, ao lado da porta que dava para a cozinha.
Tudo como de costume, embora pouco comesse.
Os únicos barulhos, além dos talheres a tocar
nos pratos, eram os da respiração e mastigação, pesados naquele silêncio quente
e húmido de Agosto.
Esperou que ele se sentasse na poltrona de
tecido rebentado como costumava fazer, a ver um qualquer programa de desporto
como também sempre costumava fazer.
Foi lavando a louça para se distrair, para não
pensar no que tinha decidido fazer.
Quando acabou e pôs o pano a secar, pensou é
agora.
Pegou na
faca afiada antes e dirigiu-se em silêncio até à poltrona.
Como para lhe facilitar a tarefa, adormecera
com a cabeça caída para trás.
Tão fácil pensou enquanto lhe passava a faca
pela garganta. O sangue saltou, sujando a roupa, a poltrona, o chão. Ele abriu
os olhos. Parecia espantado, depois zangado. Não disse nada. Fez um gesto como
de que se ia levantar, mas já não chegou a fazê-lo. Novamente o olhar de
espanto antes de se deixar cair na poltrona, agora com a cabeça para a frente.
Depois de lavar o sangue que por algum tempo
ainda pingou, sentou-se e ficou à espera. Ainda lhe doíam as costas.
Esperou durante bastante tempo, em silêncio,
sem ouvir mais nada, até que alguém da Polícia a levou.
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