Como em muitos outros dias olhou o seu rosto no espelho enquanto fazia a
barba. Um som de rec, rec, acompanhava a lâmina a deslizar-lhe pela
cara. Mas naquele dia, diferentemente de todos os outros, olhou mesmo
para a sua imagem. Pensou em si, em quem era...respondeu-se, um homem na
força da idade e enquanto o pensava, meio inconscientemente, encolheu a
barriga. Quarenta e dois anos, a subir na empresa do sogro, um
casamento feliz...fez uma pausa. A Laura, como em muitos outros dias,
aproveitava a altura em que ele fazia a barba, para mergulhar na
banheira. Anos atrás a mera ideia de a ver sem roupa, excitá-lo-ia e
quando ela começara com aquele hábito, ainda havia alguma provocação
sexual entre os dois, adiada para o reencontro no final do dia. Agora,
era-lhe indiferente, pensou, e essa ideia incomodou-o. Devia ser do
trabalho, um novo cargo, mais responsabilidades...casados há quase vinte
anos. Um homem não era de ferro e praticamente não falhava um sábado ou
o Domingo de manhã, antes da missa. Conheciam as manias um do outro. E
depois havia os miúdos. Um casamento mais feliz que a média, sem dúvida.
Olhou de lado para a Laura e dirigiu-se-lhe: "um destes dias, temos de
ir para algum lado os dois". Ela respondeu-lhe quase automaticamente:
"um destes dias". E lembrou-se nessa altura que já tinham os dois dito
aquelas mesmas frases outras vezes. Mas desta, é mesmo a sério, pensou,
enquanto se olhava uma última vez no espelho, como fazia sempre, antes
de sair.
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