Pouco a pouco fora desistindo de muitas coisas que antes fazia.
Deixara
de ir fazer compras ao centro da cidade. Os transportes públicos sempre
cheios de pessoas de rostos fechados e impacientes e jovens
desrespeitosos pareciam-lhe muito pouco seguros. Tivera sorte naquela
última vez em que caíra
por aquela senhora a ter ajudado. Ajudara-a a levantar-se e
acompanhara-a a casa.Via-se que era uma senhora com educação. Depois com
a atrapalhação não guardara dela nenhum dado, nem o seu nome, e nunca
lhe agradecera. Apenas tivera uma entorse, mas ficara sempre mais fraca
daquela perna.
Dependia mais do telefone. Da
mercearia traziam-lhe o que encomendava. Não tão bem escolhido, é
verdade, mas não podia ser exigente.
O que
ainda continuava a manter, era o lanche de sábado com as suas velhas
amigas. Antes eram cinco, mas a Mimi tivera um ataque que a deixara para
sempre de cama, até se ir de vez, há dois anos. Fora visitá-la algumas
vezes. Tinha um olhar parado e não parecia estar ali. Do lado esquerdo
da boca, mal fechada, saía-lhe um fio de saliva que a filha de vez em
quando limpava, enquanto comentava: "hoje ela está melhor e ficou
contente por a ver". Não sabia se o dizia por si ou por ela própria. No
dia do funeral parecia sobretudo cansada e com os pesâmes quase todos lhe diziam "agora a mãezinha
descansou finalmente, não sofre mais". Descansaram a mãe e a filha.
Depois de dois anos assim e logo a Mimi que tinha sido sempre tão
alegre.
Tinham ficado as quatro, mas nem
sempre vinham todas ao lanche. Chegavam pelas dezasseis, com passos
curtos e fatos finos, como já não se fazem. Sentavam-se na mesa do canto
à janela. A sua mesa. Se estava ocupada escolhiam a mesa mais próxima,
aborrecidas com aquela contrariedade até a esquecerem com a conversa.
Ocupavam os lugares pela mesma ordem, deixando vagas as cadeiras das que
faltavam. Pediam chá, escolhiam bolos, punham a conversa em dia e
criticavam os novos tempos. Naquelas horas voltavam a ser elas, já não
senhoras idosas, mas as raparigas da mesma idade, na segurança do que
conheciam umas das outras, mais confiantes numa ordem do mundo.
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