segunda-feira, 25 de julho de 2016

A despedida


  

No seu tempo, Joaquim deu o salto. Ainda não tinha vinte anos, deixara a escola com dez e a quarta classe antiga. Trabalhou na terra ao lado do pai o suficiente para aceitar que assim mal sobreviviam. Tinha por lá um primo mais velho, o Zé, que mal conhecia, mas era uma referência. Seguiu de boleia até à fronteira e pagou depois a passagem. 
Primeiro foi trabalhar para as obras, um trabalho que lhe arranjou o Zé. Ficou alojado com outros portugueses num bairro de contentores e vinham buscá-los numa carrinha que os levava para a obra. Levantavam-se de noite e quando regressavam já era noite de novo. Passou muito frio e foi difícil. Sentia falta da família, não percebia a língua e não gostava da comida.  Esteve ilegal até conseguir um contrato de trabalho assinado. Com o tempo foi-se habituando, era esforçado e os patrões gostavam dele. Subiu até encarregado. 
Numas férias na terra acertou o casamento com a Maria. As famílias eram vizinhas, tinham a mesma idade e andaram na escola juntos. Conheciam-se bem e confiavam um no outro. Casaram pouco depois e tiveram só um filho, o Pedro. Quando o miúdo nasceu, estava ele lá fora, a trabalhar. Só soube à noite, quando lhe ligaram.Faziam-no para uma venda de um português, o Sr. Manuel, onde ele costumava passar ao sábado para beber um copo, e aquele guardava-lhe os recados.  Primeiro assustou-se, pensou no pior, não  lhe ocorreu que fosse pelo filho porque faltava ainda quase um mês. Ficou depois estarrecido, era pai, mas o seu filho estava longe e ia demorar até o poder ver. Pagou uns copos para celebrar, bebeu também só um pouco mais que o costume, ciente da responsabilidade que o esperava. Quando finalmente viu o filho já ele tinha dois meses. Achou-o parecido com a mãe e gostou dele, o seu filho.
Quando o miúdo tinha dez anos, regressou de vez. O que tinha poupado deu-lhe para comprar a casa, com a venda por baixo. Esses foram os melhores anos da sua vida. Os pais ainda estavam vivos. O dinheiro ia dando para as despesas. Estava com a sua Maria, viam o filho a crescer. 
Quando o Pedro tinha doze anos foi para o liceu na cidade mais próxima. Já só vinha a casa ao fim-de-semana. Nessas alturas e nas férias, ajudava os pais na loja. Um bom rapaz, que nunca lhes deu problemas. Ele e a Maria queriam que o filho tivesse um curso que seria uma enxada para a vida, queriam que fosse para médico. Por as médias estarem tão altas, entrou em enfermagem. Disse-lhes que até gostava mais, era a sua vocação.  
Entretanto, a aldeia ia ficando mais vazia e o negócio mais fraco. Os seus clientes eram cada vez mais velhos, mais ainda do que ele. Os jovens iam para a cidade ou emigravam. Fechavam-se as casas, que às vezes já só abriam no Verão, outras permaneciam como abandonadas. O negócio ia rendendo menos. Vendeu a terra herdada do pai para continuar a pagar os estudos do filho. 
Um dos melhores dias da sua vida foi quando o filho terminou o curso. Sentia um orgulho que não lhe cabia no peito. Só falava disso na loja, os vizinhos e clientes até já brincavam com ele. 
Depois, o tempo foi passando. O Pedro tentava, mas não conseguia emprego. Foi alargando a procura, mas nada. A enxada revelava-se afinal inútil. 
E um dia o filho veio ter com ele para a conversa que não pensara que fossem ter. Conseguira um emprego, mas lá fora. A história repetia-se. Pensou que pelo menos o seu filho partia com melhores condições. Já de contrato assinado, bilhete de avião na Ryanair. 
Numa viagem de duas horas de carro, ele e a Maria, acompanharam-no ao aeroporto. Durante a viagem pouco falou. A mulher queria confirmar com o filho que não se esquecera de nada e o Pedro queria tranquilizá-los. O voo era de noite. 
Tudo lhes parecia muito confuso, e demasiado rápido. Num momento, o filho estava com eles. No seguinte já partira. Ficaram, ele e a Maria, com a casa vazia e de coração apertado.
            Ei-los que partem!




Nenhum comentário: