No seu tempo, Joaquim deu o salto. Ainda
não tinha vinte anos, deixara a escola com dez e a quarta classe antiga.
Trabalhou na terra ao lado do pai o suficiente para aceitar que assim mal
sobreviviam. Tinha por lá um primo mais velho, o Zé, que mal conhecia, mas era
uma referência. Seguiu de boleia até à fronteira e pagou depois a
passagem.
Primeiro foi trabalhar para as obras, um
trabalho que lhe arranjou o Zé. Ficou alojado com outros portugueses num bairro
de contentores e vinham buscá-los numa carrinha que os levava para a obra.
Levantavam-se de noite e quando regressavam já era noite de novo. Passou muito
frio e foi difícil. Sentia falta da família, não percebia a língua e não
gostava da comida. Esteve ilegal até conseguir um contrato de trabalho
assinado. Com o tempo foi-se habituando, era esforçado e os patrões
gostavam dele. Subiu até encarregado.
Numas férias na terra acertou o
casamento com a Maria. As famílias eram vizinhas, tinham a mesma idade e
andaram na escola juntos. Conheciam-se bem e confiavam um no outro. Casaram
pouco depois e tiveram só um filho, o Pedro. Quando o miúdo nasceu, estava ele
lá fora, a trabalhar. Só soube à noite, quando lhe ligaram.Faziam-no para uma
venda de um português, o Sr. Manuel, onde ele costumava passar ao sábado para
beber um copo, e aquele guardava-lhe os recados. Primeiro
assustou-se, pensou no pior, não lhe ocorreu que fosse pelo filho porque
faltava ainda quase um mês. Ficou depois estarrecido, era pai, mas o seu filho
estava longe e ia demorar até o poder ver. Pagou uns copos para celebrar, bebeu
também só um pouco mais que o costume, ciente da responsabilidade que o
esperava. Quando finalmente viu o filho já ele tinha dois meses. Achou-o
parecido com a mãe e gostou dele, o seu filho.
Quando o miúdo tinha dez anos, regressou
de vez. O que tinha poupado deu-lhe para comprar a casa, com a venda por baixo.
Esses foram os melhores anos da sua vida. Os pais ainda estavam vivos. O
dinheiro ia dando para as despesas. Estava com a sua Maria, viam o filho a
crescer.
Quando o Pedro tinha doze anos foi para
o liceu na cidade mais próxima. Já só vinha a casa ao fim-de-semana. Nessas
alturas e nas férias, ajudava os pais na loja. Um bom rapaz, que nunca lhes deu
problemas. Ele e a Maria queriam que o filho tivesse um curso que seria
uma enxada para a vida, queriam que fosse para médico. Por as médias estarem
tão altas, entrou em enfermagem. Disse-lhes que até gostava mais, era a sua
vocação.
Entretanto, a aldeia ia ficando mais
vazia e o negócio mais fraco. Os seus clientes eram cada vez mais velhos, mais
ainda do que ele. Os jovens iam para a cidade ou emigravam. Fechavam-se as
casas, que às vezes já só abriam no Verão, outras permaneciam como abandonadas.
O negócio ia rendendo menos. Vendeu a terra herdada do pai para continuar a
pagar os estudos do filho.
Um dos melhores dias da sua vida foi
quando o filho terminou o curso. Sentia um orgulho que não lhe cabia no peito.
Só falava disso na loja, os vizinhos e clientes até já brincavam com ele.
Depois, o tempo foi passando. O Pedro
tentava, mas não conseguia emprego. Foi alargando a procura, mas nada. A enxada
revelava-se afinal inútil.
E um dia o filho veio ter com ele para a
conversa que não pensara que fossem ter. Conseguira um emprego, mas lá fora. A
história repetia-se. Pensou que pelo menos o seu filho partia com melhores
condições. Já de contrato assinado, bilhete de avião na Ryanair.
Numa viagem de duas horas de carro, ele
e a Maria, acompanharam-no ao aeroporto. Durante a viagem pouco falou. A
mulher queria confirmar com o filho que não se esquecera de nada e o Pedro
queria tranquilizá-los. O voo era de noite.
Tudo lhes parecia muito confuso, e
demasiado rápido. Num momento, o filho estava com eles. No seguinte já
partira. Ficaram, ele e a Maria, com a casa vazia e de coração apertado.
Ei-los que partem!
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