Desde
criança que a assustava ficar sozinha e fazia tudo para o evitar. Mesmo
cansada, arrastava-se atrás dos pais ou dos irmãos, pedinchava que a
levassem, e por ser a rapa-do-tacho, com uma grande diferença para os
dois irmãos mais velhos, normalmente conseguia-o. Na adolescência
colara-se às amigas. Combinava encontros para as horas de entrada e
saída e conseguia fazer apenas parte do caminho para a escola e no
regresso, sozinha. Com o primeiro namorado sentira-se no céu. O Zé
estava sempre pronto a acompanhá-la. Naquilo em que muitas veriam quase
uma obsessão, um cerco, fruto de um ciúme sem qualquer motivo, ela lia
afecto e consideração. E um belo dia casaram. Na verdade, não se
lembrava já bem do dia. Via pelas fotografias que tinha estado sol. Na
noite anterior pouco dormira e estava tão nervosa que passou a cerimónia
e a festa meio enjoada e entorpecida pelo calmante que lhe deram e não
estava habituada a tomar. Foram viver para um apartamento num prédio
novo, perto do emprego do Zé. Pouco e pouco começou a ceder em que tudo o
que ele lhe exigia. Afastou-se dos amigos e da família. Deixou o seu
trabalho na loja do shopping. Ocupava-se em manter a casa limpa, em
cozinhar e esperar o marido, que vinha sempre esgotado do trabalho. Não
gostava que no prédio em que moravam não tivessem ainda vizinhos, nem de
ficar sozinha em casa. Ligava a televisão para que o silêncio não
pesasse. De vez em quando saía para fazer compras, sempre ciente que o
Zé não gostava que saísse sozinha, mas às vezes era mesmo preciso porque
lhe acabara o sal, ou queria ir comprar peixe ou fruta fresca. Tentava
resguardar-se nas roupas porque sabia que o Zé não gostava de decotes ou
mini-saias. Um dia, numa dessas curtas saídas, sentiu que alguém a
observava. Acelerou o passo, mas a impressão mantinha-se. A partir daí,
continuou a senti-lo, como uma pressão, perto, de alguém que lhe queria
mal. Não podia contar ao Zé porque se lhe falasse das saídas, iria
zangar-se com ela e ainda a proibia de sair. Pouco tempo depois, tinha
acabado de comprar pão, pareceu-lhe mesmo ver o vulto de um homem, a
esconder-se atrás do prédio ao lado. Desistiu das outras compras e
decidiu regressar a casa. Eram quatro da tarde. O Zé só regressaria
pelas 19.00. Apressou o passo e ouviu o ruído de outros passos que
também se apressavam. Começou então a correr. Deixou cair o pão. Entrou
no seu prédio, galgou os degraus da escada, abriu a porta e fechou-a
atrás de si. O coração batia-lhe descompassado no peito e respirava
afogueada. Já não ouvia mais nada. Pensou, “que parva, às tantas não era
nada”, mas não estava bem convencida de que assim fosse. Foi até à
cozinha para buscar um copo de água e foi então que ouviu a porta da rua
a abrir-se.
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