"Perdi
aquele avião...
Em
boa hora o fiz... Não houve sobreviventes no trágico acidente...
Mas
a minha cabeça não voltou a ser a mesma."
Primeiro
pareceu-lhe um aborrecimento, mais um a somar a todos os demais daquele dia.
Desde manhã, tinha estado sempre a correr, reuniões, telefonemas, marcações.
Empurrava para segundo plano a culpa. Culpa por não ser a esposa e companheira
que o Luís merecia, culpa por não estar a dar a assistência ao Diogo, o filho
dos dois, que ainda não tinha seis meses. Recriminava-se pelas promessas que
fazia, sabendo que não ia poder cumprir, pelo tempo que gastava no trabalho e
não lhe sobrava para a família, e porque mesmo quando estava com eles, tinha a
cabeça noutro lado, em contas e projectos. Tinha continuado a trabalhar durante
a gravidez, culpando‑se pelo peso que o bebé parecia não ganhar. Marcara a
cesariana entre reuniões. Dias depois do nascimento, já estava em meio
expediente, e na semana seguinte, embora ainda a recuperar da cirurgia, assumia
por completo as suas funções. Não ia permitir que alguém tomasse o seu lugar na
empresa.
Naquele
dia o trânsito impediu o táxi de fazer o percurso no tempo habitual. Quando
chegaram ao aeroporto já era tarde para o check-in. Pensou que talvez
conseguisse um tratamento especial, para aperceber-se que já estavam a
embarcar. Quase teve um ataque de nervos. Perder aquele voo iria fazer com que
não chegasse a casa a tempo e ia falhar o dia de aniversário do Luís. Viu o
avião a descolar e pouco depois confirmava que não havia voos alternativos.
Reservou um bilhete para a manhã seguinte e regressou ao hotel. De lá ligou ao
Luís. Ele não pareceu surpreendido ou desapontado, respondeu-lhe apenas que
tinham de falar. Dormiu mal, teve pesadelos com o trabalho e com o estar em
casa, via-se a chegar atrasada a reuniões e a chegar a casa e a encontrá-la
vazia. No dia seguinte, não tomou pequeno-almoço nem viu as notícias e só no
táxi a caminho do aeroporto é que ouviu no rádio. O seu avião, aquele que ela
não conseguira apanhar, tinha caído e não havia sobrevivente.
Se
tivesse chegado a tempo, se o tivesse apanhado, também estaria morta.
A
empresa iria continuar, o Luís voltaria sem dúvida a encontrar outra mulher que
seria para ele melhor companheira, e o seu filho iria crescer sem a mãe, não
teria sequer recordações dela.
Talvez
fosse o acumular da pressão no trabalho ou a maldita culpa e o medo que
começara a sentir de que o Luís a deixasse, mas foi-se abaixo. Não se sentiu
com sorte, mas despedaçada e sem um sentido na vida. Teve um esgotamento
nervoso e foi-lhe diagnosticado o início de uma depressão. Esteve uns dias
internada e foi forçada a desistir do seu lugar na empresa. O Luís ao vê-la tão
para baixo, adiou a conversa. Pensou que teria uma oportunidade para mudar, mas
a sua cabeça não voltou a ser a mesma. Não conseguia sequer ocupar-se do Diogo
e tiveram então a ideia de recorrer a uma ama. Foi através de uma Agência que
chegaram à Maria. Tinha referências e aceitaram que viesse com os filhos. A sua
sogra tinha de regressar a casa dali a dois meses e acertaram tudo para que a
Maria começasse a trabalhar alguns dias antes dela ir embora. Ela mostrou à
Maria os cantos da casa. Mãe há pouco tempo, chegou ali a casa, com um filho
pequeno, o Pedro e o bebé. A sua sogra desaprovara tal combinação, mas a ela
era-lhe indiferente. Precisava de alguém que a ajudasse com o filho. Uma mãe,
deveria saber o que fazer.
Olhando
para trás, apercebe-se agora que começou a recuperar quando a Maria entrou em
sua casa. Descansou-a ver como tratava bem do seu filho, mas sobretudo
encontrava alívio na sua calma. Não se sentia julgada nem condenada por não ter
cabeça para nada. Vê-la a tomar conta do Diogo e dos seus filhos, conversarem
sobre os afazeres da casa, sobre a vida da Maria, a filha Ana que deixava na
escola e que depois também conheceu, não a cansavam, antes davam-lhe alento
para continuar.
A
sua cabeça não era a mesma, mas começou a ter esperança. Esperança que um dia
iria encontrar paz e conseguiria ser feliz com o Luís e o Diogo.
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