Lembrava-se
pouco da tia-avó Bárbara. Baptizaram-na com o seu nome e viu-a algumas vezes
quando era criança. Nessas visitas, encontrava uma velhinha meio alheada do que
se passava à sua volta, mas que às vezes a olhava com carinho e lhe oferecia
chocolates brancos.
Contaram-lhe
que tinha ficado afectada com a morte do noivo num acidente. Foi sabendo que cada
vez se isolava mais na casa de família até que morreu.
Ficou
surpreendida quando soube que no testamento lhe deixara tudo. Pensou que teria
sido por ter o seu nome que a elegeu como herdeira entre vários sobrinhos.
Esperou
pelas férias para fazer a viagem da capital até à vila e ir ver o casarão.
Cheio de pó, com as mobílias cobertas por lençóis, correspondia às suas
recordações, mas algumas salas pareceram-lhes mais pequenas e os móveis antigos
não escondiam as marcas do uso ao longo do tempo.
Tinha
de decidir se o iria vender e resolveu primeiro escolher o que poderia guardar
ou até oferecer aos primos para os apaziguar.
Não
encontrou nada de valor ou pessoal no rés-do-chão e 1º andar. Subiu até ao
sótão, pela primeira vez. Ao contrário do que antecipara era um espaço
agradável, com muita luz, um sofá perto de uma estante, num recanto que convidava
à leitura, e uma arca ao lado. Dentro desta encontrou uma velha caixa de cartão,
abriu-a, e descobriu cartas enlaçadas por uma fita vermelha, fotografias
antigas, ainda a preto e branco, conchas e flores secas. Olhou com atenção para
as fotografias, recordações de familiares e momentos que não tinha vivido, até
que uma lhe chamou a atenção. Nesta reconheceu a tia-avó, quando jovem, meio
abraçada a um homem que olhava sorridente para quem os fotograva. A tia estava
mais a olhar para ele, revelando o enleio e a paixão que sentia. Seria sem dúvida
o seu noivo. Fixou-se mais nele e surpreendeu-se por as suas feições lhe
lembrarem alguém familiar. Os olhos bondosos, o sorriso aberto, eram os do seu
pai.
Então
percebeu. No passado, seria muito difícil a uma mulher sozinha, devastada pelo
desgosto, tomar conta de uma criança. Ou porque não estava em si com a dor, ou
porque aqueles que sempre pensara serem seus avós o tinham querido, abdicara do
filho.
Percebeu
que a sua tia era na verdade sua avó e era essa a razão para ter o seu nome e
ser sua herdeira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário