Tinha reparado nele, a primeira vez, por acaso. Como a rua do seu lado
estava cheia, fora estacionar o seu carro do outro lado e mesmo à sua
frente. Pelo espelho retrovisor vira então aquele Mercedes antigo,
amarelo e bem conservado, com o emblema à frente orgulhosamente
destacado. Interrogara-se sobre a quem pertenceria. Naquela rua de
prédios novos, a maior parte dos seus vizinhos pareciam-se com ele:
relativamente jovens, com pequenos carros utilitários e preocupados com a
hipoteca das casas. Não via nenhum deles a comprar aquele carro, em vez
dum Fiat ou dum Opel, que por ali abundavam. Talvez em segunda mão,
pensara. Ou então, podia tê-lo recebido em herança. Decidira nessa
altura, quase subconscientemente, que ficaria atento, para descobrir a
quem pertencia. No entanto, os dias iam passando e o carro continuava
parado. À frente do seu prédio, via-o pela janela. Até que uma certa
noite, apercebeu-se que traçando o paralelo com a fachada do prédio à
frente, estava um pouco mais de um metro à frente do sítio da noite
anterior. Resolveu que iria ficar ainda mais atento, não fosse ter-se
enganado. Na manhã seguinte, quando olhou, apercebeu-se que agora estava
um metro para trás. Tinha agora a certeza: durante a noite, alguém
devia estar a sair com o Mercedes. Regressava depois para o estacionar
no mesmo sítio ou próximo. Seria talvez alguém que morasse naquele
prédio, à frente do qual o parava sempre. O prédio era pequeno, só com
dois andares e era um dos que tinha garagens. Talvez um segundo carro.
Nessa noite bebeu um café e resolveu que iria também aproveitar para
rever os papéis para o imposto, enquanto esperava pelo condutor
misterioso. Até à uma da manhã, nada. Apesar do café, começou a sentir
sono. Por uns segundos, ou assim lhe pareceu, fechou os olhos. Foi então
que escutou o barulho do motor. Rapidamente pôs-se de pé e correu para a
janela. Era mesmo o Mercedes, mas afastava-se agora, já no cimo da rua,
virava à esquerda. Não conseguiu ver quem o conduzia. Na manhã
seguinte, custou-lhe levantar-se. Mal despertou, foi à janela e o
Mercedes lá estava, no lugar do costume.
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