domingo, 24 de julho de 2016

O Mercedes Amarelo

Tinha reparado nele, a primeira vez, por acaso. Como a rua do seu lado estava cheia, fora estacionar o seu carro do outro lado e mesmo à sua frente. Pelo espelho retrovisor vira então aquele Mercedes antigo, amarelo e bem conservado, com o emblema à frente orgulhosamente destacado. Interrogara-se sobre a quem pertenceria. Naquela rua de prédios novos, a maior parte dos seus vizinhos pareciam-se com ele: relativamente jovens, com pequenos carros utilitários e preocupados com a hipoteca das casas. Não via nenhum deles a comprar aquele carro, em vez dum Fiat ou dum Opel, que por ali abundavam. Talvez em segunda mão, pensara. Ou então, podia tê-lo recebido em herança. Decidira nessa altura, quase subconscientemente, que ficaria atento, para descobrir a quem pertencia. No entanto, os dias iam passando e o carro continuava parado. À frente do seu prédio, via-o pela janela. Até que uma certa noite, apercebeu-se que traçando o paralelo com a fachada do prédio à frente, estava um pouco mais de um metro à frente do sítio da noite anterior. Resolveu que iria ficar ainda mais atento, não fosse ter-se enganado. Na manhã seguinte, quando olhou, apercebeu-se que agora estava um metro para trás. Tinha agora a certeza: durante a noite, alguém devia estar a sair com o Mercedes. Regressava depois para o estacionar no mesmo sítio ou próximo. Seria talvez alguém que morasse naquele prédio, à frente do qual o parava sempre. O prédio era pequeno, só com dois andares e era um dos que tinha garagens. Talvez um segundo carro. Nessa noite bebeu um café e resolveu que iria também aproveitar para rever os papéis para o imposto, enquanto esperava pelo condutor misterioso. Até à uma da manhã, nada. Apesar do café, começou a sentir sono. Por uns segundos, ou assim lhe pareceu, fechou os olhos. Foi então que escutou o barulho do motor. Rapidamente pôs-se de pé e correu para a janela. Era mesmo o Mercedes, mas afastava-se agora, já no cimo da rua, virava à esquerda. Não conseguiu ver quem o conduzia. Na manhã seguinte, custou-lhe levantar-se. Mal despertou, foi à janela e o Mercedes lá estava, no lugar do costume.

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