Há muitos anos atrás, quando a natureza confiava no homem e facilmente
lhe oferecia abrigo e comida, todos apenas se ocupavam na tarefa de ser
felizes. Alguns seguiam os seus próprios prazeres, outros resolviam
apaixonar-se e viver em função de um outro que podia ser o mesmo ou
variar simultânea ou sucessivamente. Havia no entanto uns poucos que
afirmavam ter o coração despedaçado. Numa languidez e melancolia
pecaminosa ou numa intranquilidade nervosa aborreciam os demais que não
os compreendiam. Não percebiam porque não seguiam o seu exemplo e ao
invés criavam problemas que não existiam. Foi então resolvido que esses
poucos deveriam ser exilados numa ilha que não ficava longe, mas cujo
acesso difícil era somente possível em alguns dias do ano, quando o
vento acalmava e a maré subia, permitindo que os pequenos barcos que lá
tentavam ir, não se despedaçassem nos rochedos. Dito e feito, mal era
observado o problema e depois de deixarem passar uns poucos dias para
terem a certeza que estava em causa o mal condenado e não uma dor de
barriga, eram remetidos para a ilha, sem apelo nem agravo. Esta até
então desabitada passou a ser conhecida pela Ilha dos corações partidos.
Enquanto as condições não o permitiam, eram os futuros exilados
confinados num campo limitado para o seu mal não se propagar ou
contagiar qualquer incauto. Ora, não obstante todos os cuidados, o
número de afectados aumentava de dia para dia e alguns até pareciam
ansiar pela condenação ao exílio. Entre os imunes estavam os mais
velhos, mais avisados e experientes. Até que um dia repararam que entre
eles já não cresciam crianças. Temeram então o pior e julgaram-se os
últimos homens da terra porque os da ilha apenas poderiam ter morrido de
inanição. Quando apenas restava um, meio enlouquecido pela solidão,
resolveu ir até à Ilha para aí se encontrar com a sua morte. Esperou
pelo vento e maré propícios e com dificuldade contornou os rochedos. Eis
que quando se aproximava julgou ser vítima de uma alucinação porque
ouvia risos. Quando finalmente chegou à praia foi rodeado por crianças,
jovens, velhos, homens e mulheres, aparentemente nem infelizes ou
felizes, contudo vivos.
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