Luzes de presença em
jogo de sombras, no silêncio meio interrompido pelos passos abafados de solas
de borracha.
O som das campainhas
substituído nos corredores pelas luzes vermelhas sobre a porta dos quartos.
Não se ouvem gritos. Palavras,
gemidos e medos estarão contidos nos quartos.
O tumor foi detectado
num exame de rotina. Nem teve tempo de pensar enquanto tratava dos assuntos
prementes, a substituição no trabalho e o internamento. Chegou de manhã em
jejum. Vestiu uma espécie de bata. Raparam-lhe a barriga. Levaram-no para a
sala fria da cirurgia onde perdeu consciência e caiu num sono pesado como não
se lembrava de alguma vez ter tido. No recobro, perguntaram-lhe o nome e
levaram-no de volta ao quarto. Era preciso esperar pelos resultados do laboratório
e investigar se haveria metástases noutros órgãos.
Dor dormente graças à
droga que lhe tinham dado, mas desperto deu-lhe para pensar na vida. Ateu
convicto, pela primeira vez confrontado com a sua mortalidade, não conseguia
descansar. Levantou-se da cama, agarrado ao soro, saiu para o corredor e
sentou-se perto de uma janela.
Apercebeu-me que
alguém se sentava ao seu lado. Mais tarde não seria capaz de o descrever, sem
dúvida pelo seu estado.
- De que tens medo,
Pedro?
Estranhou que soubesse
o seu nome, mas respondeu-lhe:
- Do fim. Ainda tenho
tanto para fazer.
- Não vai ser agora,
tens muitos anos à tua frente, mas devias repensar o que tens para fazer, o que
é realmente importante.
- Como o que é
realmente importante?
- Tens vivido para o
trabalho, os teus pais já morreram, não tens mulher, filhos ou amigos íntimos,
nada costumas fazer pelo teu próximo.
Pedro sentiu-se de
repente cansado. Regressou ao quarto sem se despedir.
No dia seguinte
apresentou queixa contra o Emanuel mas ninguém soube dizer‑lhe quem era.
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