Escrevo
um texto enquanto vejo os meus dois filhos a brincar. São ainda crianças, cinco
e seis anos, Afonso e Beatriz. Na verdade só têm onze meses de diferença. São
quase como gémeos. Estava ainda a amamentar a Beatriz quando fiquei de novo
grávida. Primeiro pensei que havia algo de errado. O enjoo, a pressão na
barriga, não associei a nova gravidez, julguei que estava doente, que ia
morrer.
Mas
foi bom assim, fiquei com um casalinho.
Olho
para eles como se olhasse para um espelho e imagino que também me vejo a mim, a
escrever. Estamos num jardim, perto de casa, eles correm na relva a brincarem
ao apanha-me, eu escrevo, sentada à mesa para piqueniques, num banco de pedra.
O sol ilumina a relva, ouço-os a rir, mas estou na sombra, sinto frio, e deixo
de os ver, como se alguém tivesse atirado uma pedra ao seu reflexo na água.
Este
momento terá existido de verdade?
Olho
para as minhas mãos torcidas pela artrite, com as veias marcadas.
Estou
sentada numa sala perto da janela. Algures há uma televisão em surdina. Não sei
muito sobre este presente. Fogem‑me as palavras. Enervo-me quando me fazem
perguntas. Uma mulher de meia-idade sentou-se à minha frente e estava a falar
algo. Não a ouvi, mas percebo pelo seu olhar que espera que lhe responda. Não
sei qual foi a pergunta. Ela insiste, “lembra-se de mim?”
Quero
que me deixe em paz. Olho-a e respondo-lhe que sim, mas não a reconheço, embora
se pareça um pouco com a minha mãe. E é essa a palavra que a ouço depois dizer,
num suspiro, “oh, mãe.”
Prefiro
regressar ao jardim e volto a ver os meus filhos. Chamam por mim. Decido ir ter
com eles e paro de escrever.
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