04 - Estátua
Queria encontrar o amor
e procurava-o na perfeição. Não tinha consciência dos corações despedaçados que
ia deixando pelo caminho, nem se importava. O objecto do seu interesse cedo se
tornava um aborrecimento. Uma vez conquistado, descobria que afinal não correspondia
ao que tinha idealizado. Deitava-se com uma deusa, acordava com uma mulher, de
quem então só via os defeitos.
Há cerca de duas
semanas quando se deixara deslumbrar por uma conservadora, tinham marcado um
encontro naquele Museu. Enquanto esperava por ela, tinha-se deixado vaguear pelas
salas, até que num canto, meio escondida, a descobrira. Esculpida em mármore
rosa, quase da sua altura, a sua beleza deixara-o sem palavras. Tudo nela era
perfeição, as feições simétricas, a proporção no seu corpo. Em pé, a olhar para
baixo, parecia aguardar. Tão viva que quase esperaria ouvir a suave respiração,
o arfar do seu alvo peito, um pestanejar que a levasse a erguer o rosto e a vê-lo.
Nessa altura, fora surpreendido pela jovem com quem se ia encontrar. Dir-se-ia
que tinha ficado com ciúmes porque praticamente o arrastou dali. Disse-lhe que a
estátua tinha de ser reparada antes de poder ser exposta, o que a ele soou a
falso. Dormiram juntos só uma vez, naquela noite. De manhã, disse-lhe que não
queria mais vê-la, e teve prazer em dizê-lo, quando normalmente só se sentia
era indiferente e vazio por mais uma vez se ter enganado.
Dali em diante começou
a sua obsessão. Passou a ir ao Museu todos os dias procurá-la, nos intervalos
de trabalho e aos fins-de-semana. Houve dias em que não conseguiu descobri-la.
Reparou que a mudavam de sala e normalmente a deixavam em espaços com pouca luz
e salas secundárias.
Um dia, conseguiu encontrá-la bem cedo e numa sala vazia. Finalmente apenas os dois. Aproximou-se com cuidado, transpôs o círculo que a rodeava, levantou um braço em direcção ao seu belo rosto e tocou-lhe. Sentiu frio, o gelo que dela vinha, e percebeu. Não iria conseguir despertá-la. A perfeição da sua beleza esculpida e imortalizada no mármore, era de pedra, tão indiferente a ele, como ele tinha sido até àquela data, e afinal imperfeita porque sem vida. Qualquer das mulheres com que se deitara, na imperfeição revelada pela luz da madrugada, a suplantava, apenas por estar viva. A vida era ilusão e decepção, medo e raiva, e o amor era ser capaz de ver a perfeição da imperfeição.
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