01 - O Quadro
Se fosse pintora e pensasse em pintar um quadro, tentaria
pintar a casa. A dos seus pesadelos, a que mesmo sem querer a assombra, sempre
que se esquece de não se permitir lembrar.
Era tão jovem então. Tinha terminado o liceu. Não pensava, como
algumas das amigas em ingressar na universidade e tinha o verão à sua frente.
Como nos outros anos, iam passá-lo à aldeia, na casa dos avós paternos. Depois,
pensaria em arranjar um emprego, talvez como modelo ou hospedeira porque lhe
diziam que era bonita e era também o que via na atenção dos homens e lhe dizia
o espelho.
Acordavam tarde, iam para a praia no rio, levando sandes.
Regressavam para se arranjarem e voltarem a sair, para festas de garagem.
Reencontrou o Pedro, continuando sem gostar dele por o
achar convencido, mas gostou que ele a escolhesse. Um pouco mais velho, com
carro, combinou ir buscá-la a casa para irem a uma festa longe.
No regresso, em noite de trovoada de verão, o carro avariou.
Estavam perto da casa dos tios dele, meio abandonada desde
que há anos o primo desaparecera.
O Pedro desactivou o alarme e entraram. Levou-a para a sala,
mas não acendeu as luzes, apenas uma pequena de presença que incidia sobre um
quadro em destaque no meio da sala. Ele disse-lhe para olhar para a tela. “Tem
um segredo, apenas alguns o conseguem ver, não aparece em fotografias e ninguém
descobriu ainda como foi feito, que efeito de luz faz com alguns vejam e outros
não, mas não te posso dizer o que é porque se o fizer, já não o conseguirás
ver. Olha bem para ele e vê em que grupo estás enquanto vou buscar algo para
bebermos.
Olhou com mais atenção Era uma pintura de uma casa, daquela
casa em noite de tempestade. Dois raios atravessavam o quadro e caíam sobre a
casa. Lá fora um raio iluminou a noite. Ela estava a olhar para a casa, para as
janelas escuras e assustou-se. Numa janela do segundo andar pareceu-lhe ver um
rosto, um homem que lhe disse "foge".
E ela fugiu.
Começaram então os pesadelos.
Até que uma noite voltou à casa. Entrou
por uma janela aberta e dirigiu-se à sala. Levara consigo uma faca e
estraçalhou o quadro.
Diagnosticaram-lhe um ataque‑de‑nervos e
foi internada.
Soube depois que o primo do Pedro,
chorado como morto pelos pais, tinha aparecido.
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