No
interior de um comboio, uma mulher olha, com um sorriso distante, pela janela.
O
seu olhar não se fixa na paisagem que corre perante si: campos cor-de-terra,
poucas casas. Nem nas gotas de chuva que escorrem pela janela. Muito menos no
reflexo do seu rosto iluminado no vidro quando passam por um túnel. Apercebe-se
então que estava a sorrir.
Quinze
anos de casamento, depois de três de namoro, com o primeiro e único namorado.
Uma vida. O que não impediu o Rafael de decidir que estava apaixonado por outra
e sair de casa. Talvez fosse a crise dos quarenta e ela foi apanhada no meio,
sem contar.
Primeiro
pensou que se tivessem tido filhos seria diferente, mas percebeu depois que
nada conseguiria alterar o egoísmo dele.
Faltou-lhe
o chão.
Olhando
para trás, a sua vida até essa altura, aparecia-lhe como tendo sido fácil e
previsível.
Tinha
saído da casa dos pais para morar com o marido. Havia vários afazeres que
deixava para ele, desde mudar uma lâmpada a tratar dos impostos e seguros. Teve
de se virar sozinha e conseguiu-o. Era ainda uma mulher bonita, ou melhor,
interessante. Vestia-se bem, herdara a elegância da mãe e tinha um trabalho com
prestígio para se ocupar.
A
certa altura resolveu – e essa opção surgiu-lhe por oposição ao passado, como
uma verdadeira escolha – envolver-se com um colega de trabalho, um amigo e
sedutor, por quem não pensara estar apaixonada e muito diferente do marido.
Redescobriu a paixão e encontrou uma verdadeira intimidade.
E
agora o Rafael quer voltar.
Com
o mesmo ar trágico que lhe comunicou o grande amor que sentia por outra, diz-se
agora arrependido do grave erro que ia cometer.
Acreditava
que ela o ia receber de braços abertos.
Soube-lhe
bem dizer-lhe não.
Sentiu-se
segura na nova vida que escolheu.
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