Pediu ao Luís que levasse a carta para o jantar de
despedida. Cansou-se de dizer que não queria um jantar desses, mas não
adiantou. Tinha passado por tantos que os via de olhos fechados. Reservavam
mesa no mesmo restaurante, escolhiam a mesma ementa. Iam chegando após a hora
marcada, esperavam uns pelos outros cá fora, enquanto fumavam um último cigarro
e continuavam as conversas do dia. Depois, a animação ia crescer com as
garrafas de vinho que vinham para a mesa. O chefe discursava e entregava a
prenda, poderiam discursar mais um ou dois e o homenageado fá-lo-ia no fim,
quando os mais velhos ou mais casados já só queriam era que tudo terminasse
para irem para a casa, e os mais novos partilhavam o desejo, mas não o destino,
já combinados os encontros que teriam depois em bares.
Escreveu a carta com todo o cuidado, porque não
queria esquecer-se de nada, nem de ninguém, queria deixar uma mensagem:
“Caros colegas
Hoje sou eu, amanhã sereis vós.
Dediquei todos estes anos à empresa, cinquenta anos.
Pela empresa fracassei em dois casamentos, não
conheço nem convivo com o meu único filho, perdi os poucos amigos que tinha.
Tudo porque não estava lá quando precisavam de mim.
Deixei que o trabalho me consumisse.
E agora que sou um velho sozinho, incapaz de com
rapidez assimilar as novas tecnologias, fui prontamente substituído.
Vou ter de sobreviver só e com uma misera pensão.
Não deixem que vos aconteça o mesmo!”
No dia marcado, foi para lá o Luís encontrar-se com
os outros. Cá fora, enquanto esperavam, comentaram o insólito daquele encontro
sem o homenageado. Durante o jantar, no mesmo restaurante, com a ementa de
sempre, continuaram as conversas do dia, vieram as garrafas de vinho, cresceu a
animação, e o Luís esqueceu-se da carta.
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