Céu cinzento, no meio do campo, perto da
aldeia, mais do que o incêndio para os que ali moram, o acontecimento é estar
lá a televisão. Estacionaram a carrinha com o símbolo do canal, um senhor tirou
de lá a câmara, e à sua frente, a jovem jornalista de saltos altos, depois de
falar com o chefe dos bombeiros, elegeu-a para ser entrevistada:
- "Estamos aqui com a filha dos
proprietários"
Teve de corrigi-la:
- "Prima da amiga da filha, mas a
minha prima há anos não fala com ela"
A jornalista interrompeu-a:
- "Então como é se sente ao ver a
casa a arder?"
Sentir, ou não sentir, não sabia bem o
que deveria sentir para lhe dizer, mas antes de começar a falar, a jornalista
insistiu:
"Sente-se mal?"
E aí já pôde responder:
- "Sinto-me muito mal porque eles
tinham gosto na casa, acho, porque nunca lá entrei”.
Atrás delas, no rescaldo do incêndio
vê-se a porta e as paredes enegrecidas da velha casa. Rebentaram os vidros da
janela, mas de resto aparentemente mantém-se sólida.
Um bombeiro a recolher a mangueira
faz-lhes sinal para recuarem, recua o senhor que segura a câmara, recuam ela e
a jornalista que tropeça, mas não cai e prossegue determinada:
- “Eles tinham coisas de valor aqui,
era?"
- “Deviam ter, sabe, mas já não
vinham há muitos anos porque estão na França”
-
“Como é que eles se vão sentir com isto?
Agora ela já sabia a resposta:
-
"Vão-se sentir muito mal".
- “E na aldeia, como é que sentem?”
- “Sentimo-nos muito mal, está a ver, a
casa estava aqui há muitos anos.”
Conclui a jornalista a reportagem: “O
fogo na aldeia de Argodêlo deixa uma família sem casa.”
Pensa ela, está cá a casa, mas não a
família…
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