domingo, 24 de julho de 2016

ii - 04/10 - O impossível



Faltou tentar o impossível.
Lançar-se do topo de um arranha-céus e chegar ao chão incólume.
Enfiar-se no meio de dois duelistas, sentir o toque das suas espadas e sobreviver sem feridas.
Atravessar uma casa em chamas sem arder.
Chegar ao pé dela e dizer-lhe: gosto de ti.
Ao invés, quedava-se mudo, gaguejava até só no pensar em que lhe diria.
E ninguém sabia, escondia de todos o fogo que o queimava por dentro e a vergonha da sua cobardia.
Um dia, se ao menos um dia, pudesse ser outro.
Teve então a terrível ideia de pedir ao Rafael que lhe escrevesse uma carta para ela. Confiou naquele que acreditava ser seu amigo. E ele lançou para o papel frases bonitas mas que ficavam muito aquém de tudo o que sentia. Terminava com a pergunta mais importante, se ela corresponderia, se o quereria para namorado.
No dia seguinte a enviar a carta, começou o seu maior pesadelo.
Clara procurou-o, num intervalo, olhou-o com os seus olhos de céu numa interrogação muda. Esperava talvez que ele lhe repetisse o que estava escrito, que lhe dissesse de viva voz aquelas frases bonitas, ao menos, que repetisse que gostava dela e a pergunta com que concluía.
E ele não conseguiu dizer-lhe nada.
Fugiu.
Mais tarde, viu-os juntos, demasiado juntos, e outros disseram-lhe que eles tinham começado um namoro, que durou dias.
A Clara teria procurado o verdadeiro autor da carta e acreditado nas suas frases vazias. O Rafael, falso amigo, nunca antes tinha reparado nela.
A dor da dupla traição varreu-lhe a vergonha.
No recreio, bateu no Rafael e empurrou a Clara.
Foi chamado ao Director e repreendido.
Naquele ano não quis mais saber de raparigas embora tivesse voltado a falar com o Rafael. No seguinte, arranjou uma namorada que não era a Clara.

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