400 gramas de farinha de
trigo
200 gramas de manteiga
100 gramas de açúcar
1 ovo
raspa de 2 limões
Mistura-se tudo,
amassando-se muito bem, formam-se os biscoitos, em laços entrelaçados que vão
depois ao forno pré-aquecido, num tabuleiro polvilhado com mais farinha, por
cerca de vinte minutos, até ficarem dourados.
Podem-se comer ainda
quentes, acabados de fazer, num final de tarde de Outono, com a luz a
desaparecer enquanto o sol se põe, alaranjando os biscoitos. Ou na manhã
seguinte, com chá ou café, antes de se sair porta-fora, e podem vir connosco
cuidadosamente embrulhados a aguardarem um intervalo na hora do almoço, ou
ficarem à nossa espera em casa, acentuando a noite em limão.
Quantos pode uma mulher
com um metro e cinquenta, acima do peso, comer por dia? Um tabuleiro com vinte
ou trinta. Depois dois tabuleiros e arranjar de seguida tabuleiros maiores.
Catarina, loura, branca
e baixinha. Olhos grande de mel e uma paixão pelos doces e bolos. Nunca teve um
namorado. Aos vinte anos, confidente das amigas, pareciam-lhe todos um pouco
tolos. As amigas a quererem viver grandes romances, a passarem sucessivamente
por fases repetidas. Animação. Ele é mesmo giro não é? A rirem das piadas dele
sem graça. Paixão. Não existe mais ninguém no mundo. Deixava de as ver,
chegavam atrasadas aos espaçados encontros. Decepção. Afinal, ele é um
parvalhão. Nem sabes o que me fez. Arranjou outra. Também já não o queria para
nada. Não tinha conversa. Um egoísta que só queria ir ao jogo com os amigos.
Arrependimento. Será que ele me vai ligar? Será que eu devia ligar-lhe?
Depressão. Só quero ficar em casa a dormir. Recuperação. Catarina, vamos
sair?
Até aparecer o próximo.
Com ela, não.
Encontrava-se com as amigas, ria-se com elas das aventuras que lhe contavam,
ouvia-as e tentava consolá-las e desistira de lhes falar no ciclo que se repetia.
Ela preferia os
biscoitos de limão. Ou os bolos de chocolate, as bolas de berlim e os pastéis
de nata.
Um belo dia apareceu-lhe
o Pedro. Padeiro, com curso de pasteleiro. Falaram de receitas. Marcaram
encontros. Ele trazia-lhe os bolos que criava para ela experimentar. Começou a
aguardar ansiosamente pelos seus encontros. Pensou se estaria apaixonada. Negou
a si mesma que não seria a mesma coisa se ele viesse sem doces. Juntaram
receitas de bolos e casaram. Ele gostava de a ver comer com tanto apetite. Em
alguns anos, dobrou o peso. Havia mais dela para ele amar. Não conseguiu
engravidar. O médico sugeriu uma pequena dieta, mas ela nem quis ouvir falar
disso. Foi logo para casa, e encontrou consolo num pudim francês.
Até que um dia a Sílvia
a chamou para uma conversa. Tinha que lhe abrir os olhos. Não tinha ainda
desconfiado das horas extra que ultimamente o Pedro arranjava? Ele tinha outra.
Uma magrela que nem devia gostar de bolos. A Elsa deslavada que também andara
atrás de um namorado da Sílvia, mas ela tinha-o posto logo com dono, e
calçara-lhe depois uns patins.
Ela não disse nada. A
Sílvia e outras amigas condoeram-se dela, comentaram como se mostrava corajosa.
Debateram entre elas o que deveria fazer. Falar ou não com o Pedro. Terminar o
casamento ou ignorar e esperar que lhe passasse. Podia ser a crise dos
quarenta.
Ela continuou sem nada
dizer e para si, pensou, não sinto nada. Depois imaginou como seria se o Pedro
se fosse embora. Ocorreu-lhe que assim não iria mais cozinhar para ela,
acabariam os bolos e pudins.
Tinha de fazer alguma
coisa!
Durante alguns dias
quase se esqueceu de comer, até que encontrou a solução. Ligou à Elsa.
Disse-lhe que sabia o que se passava, marcou uma conversa no parque, ao final
da tarde e pediu-lhe segredo. Dia de Inverno, às dezoito horas, parecia já
noite e por ali não se via viva alma. Chegou primeiro e quando viu a Elsa,
confirmou com ela que não falara a ninguém do encontro. Depois foi muito
rápida. A Elsa não devia pesar nem quarenta quilos. Deitou-se para cima dela e
abafou-a com o seu peso. Quando a sentiu inerte, arrastou-a para debaixo de uma
velha árvore. Colocou-a à frente desta como se tivesse tropeçado nas raízes
retorcidas e caído. Regressou a casa.
No dia seguinte, o Pedro
chegou mais cedo e fez biscoitos.